Jad Laranjeira/Mídia News
Frequentadores recordam do estádio com saudosismo; pesquisadora vê rompimento com tradição
Há 10 anos o Estádio Governador José Fragelli, antigo “Verdão”, era demolido para dar lugar à Arena Pantanal, que quatro anos mais tarde receberia jogos da Copa do Mundo de 2014. A antiga estrutura, no entanto, ainda permanece na memória dos que tiveram o prazer de frequentar o local por décadas.
Derrubada da torre de iluminação do Verdão simbolizou o fim de uma era (Foto: Dinalte Miranda) |
Demolição do Verdão dividiu opiniões
Na época, a demolição foi controversa - houve inclusive protestos em frente ao estádio. O fotógrafo Dinalte Miranda, que documentou todo o trabalho de demolição da estrutura, acompanhou a polêmica.
“Muita gente ficou descontente, porque era como acabar com a história do [estádio] Governador José Fragelli. Na época eu também era contra”, diz.
Apesar das queixas na época, a construção de uma nova arena era algo imposto como condição para que a cidade recebesse jogos da Copa. O antigo estádio, com seu imenso fosso e as arquibancadas muito distantes do gramado, não tinha o chamado "padrão Fifa". Esta exigência, de certa forma, ajudou a minar a resistência que havia à demolição.
Dinalte guarda centenas de imagens de todo o processo de demolição, que começou em maio e terminou em julho de 2010. Quase todos os dias ele estava na obra, documentando cada detalhe daquele momento que foi um marco para o futebol do Estado. As fotos que ilustram esta reportagem foram quase todas feitas por ele.
Fã de futebol desde pequeno, o arquiteto cuiabano José Antonio Lemos dos Santos viveu muitas emoções no antigo Verdão - daí porque, a princípio, se posicionou também contra o fim do estádio que abrigou os maiores clássicos do futebol mato-grossense.
“Eu era um dos frequentadores assíduos do antigo Verdão. Havia um grupo de torcedores que ia em todos os jogos. E eu era um deles”, recorda.
Sem gramado e arquibancadas, demolição chegava perto de 100% para dar lugar à Arena Pantanal (Foto: Dinalte Miranda) |
Para o arquiteto, não existe “a melhor lembrança” do estádio; existem sim “várias ótimas lembranças”. E não apenas com partidas de futebol.
“Estive na inauguração, por exemplo. O primeiro jogo acho que foi em 1973, eu tinha 23 anos. E o último foi em 2010, quando eu tinha 60, pouco antes de ser demolido. Mas o estádio marcou uma época. Ali assisti a um show do Roberto Carlos. Estava lotado, assim como o Vinde e Vede [evento da Igreja Católica] também lotava. Isso fora os jogos da Seleção Brasileira - e eu fui praticamente em todos", diz.
Lemos só lamenta não ter visto uma única partida no Verdão. Foi a vitória do Mixto contra o Internacional de Porto Alegre, por 1 a 0, com gol do Pelezinho, o mítico craque mixtense que morreu de acidente de carro em 1981, depois de ter sido contratado pelo próprio time gaúcho.
"Eu estava viajando para Brasília, mas eu soube que foi marcante, e o estádio lotou”, recorda.
Apesar do sentimento de tristeza ao saber da demolição, Lemos diz que sempre acreditou que a Arena traria benfeitorias para o Estado.
“Eu sou apaixonado por Cuiabá e sou apaixonado pelas duas arenas. Eu sinto saudades, mas não sou saudosista, aquele que fica se lamentando. Acho que se tivesse que trocar mesmo o Verdão por outro estádio, tinha que ser um projeto como esse, ficou perfeito para Cuiabá. Ficou bonito. Aquele formato só tem aqui, não é à toa que concorreu a prêmios e foi considerada por uma revista espanhola uma das mais arenas fantásticas”, diz o arquiteto, hoje um torcedor do Cuiabá Esporte Clube, que tem jogado na Arena pelo Campeonato Brasileiro da Série B.
Tratores quebram arquibancadas do estádio Verdão (Foto: Dinalte Miranda) |
O Verdão e a identidade com o torcedor
A professora de Educação Física, Fabiana Cristina de Lima usou a demolição do Verdão como tese de doutorado na Faculdade de Comunicação e Arte do Programa de Pós-Graduação do Grupo de Estudo e Pesquisa em Esporte, Cultura e Sociedade, da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT).
No estudo ela constatou que o Verdão foi demolido de forma impositiva e indiscriminada, tendo como resultado um grande rompimento de identificador tradicional, que até hoje os torcedores dos times tradicionais no Estado não conseguiram transferir para a Arena Pantanal.
Para a pesquisa, ela entrevistou torcedores, líderes de torcida organizada, ex-jogadores, ex-técnicos, técnicos, ex-dirigentes, dirigentes, ex-comentaristas, ex-árbitros e jornalistas, que acompanharam a transição arquitetônica entre os dois estádios.
Para eles, na verdade, o que houve foi um surgimento de um ideal modernizante.
“É possível afirmar que os desportistas locais que têm maior identificação com os times tradicionais do Estado de Mato Grosso apresentaram maior identificação com o Estádio Verdão, até mesmo em consideração à trajetória desses times nas décadas de 70 e 80, que foi retratada pelos entrevistados como a época em que ocorreu o apogeu do futebol mato-grossense. Sendo assim, para esses desportistas, a demolição do Verdão representou um grande erro”, explica a pesquisadora.
“Se as perdas dos patrimônios arquitetônicos forem sempre justificadas pela busca constante de uma estrutura mais moderna, mais confortável, que atenda às necessidades do sujeito contemporâneo, a sensação de pertencimento e de identidade, fundamentais à formulação dos lugares que traduzem a história de um povo, ficarão cada vez mais fragilizadas e transitórias. E, talvez, essas relações não venham mais a existir”, critica Fabiana.
Mixto e sua torcida no estádio Verdão, em novembro de 2005 |
Arena Pantanal substitui o Estádio Verdão
Ela também pôde concluir que a maioria das pessoas ouvidas tem restrições quanto a Arena Pantanal - e isso impacta diretamente na cultura do torcedor.
“Assim como acontece em diversos locais do país, o processo de “arenização” é responsável pela transformação dos torcedores em meros espectadores nesse novo modelo de estádio. Contudo, determinados entrevistados indicaram que, muito embora os times de futebol de Mato Grosso não demonstrem condições de agregar público no novo equipamento esportivo do estado, a Arena Pantanal tem relação de identidade com um dos times da atualidade, devido às experiências positivas que ele já está conseguindo desempenhar nela”, afirma, referindo-se ao Cuiabá.
Sua pesquisa por fim concluiu que houve uma demanda local espontânea para a construção do Estádio Verdão, visto que um numeroso público comparecia ao Dutrinha, e este aparelho esportivo passou a ser considerado de estrutura física restrita e frágil, cujas arquibancadas não comportavam o número de torcedores que compareciam aos jogos e grande quantidade deles acabava ficando do lado de fora.
A construção do Verdão significou a construção de referências de identidade de um futebol mais moderno, organizado, potente no estado de Mato grosso.
Já a Arena Pantanal alterou o perfil e o comportamento do público, configurou um espaço de jogo elitizado.
Vista aérea do belo Estádio Verdão |