A força de uma paixão bem trabalhada*
Mixto eliminou o Remo na Série D 2012. Agora, o Remo chega na Série C (Foto: Márcio Quadros/Bola) |
Esse final de semana uma notícia me fez lembrar o Mixto. Não! Não são notícias ligadas ao Clube. Se fosse isso, nem perderia meu tempo escrevendo alguma coisa, pois não tenho ânimo algum para escrever algo sobre os recentes acontecimentos do Mixto. O que me fez ter uma lembrança gostosa, foi saber que um velho conhecido de luta, conseguiu após muito sofrimento sua ascensão à Série C. O Clube do Remo. Assim como nós em 2012, também estava na batalha pelo sonhado acesso. E fomos lá e estragamos tudo!
Mas como o mundo “dá voltas”. Se os mixtenses soubessem que ainda existia (e existe) fundo no poço, e pudessem voltar no tempo, trocariam sem a menor cerimônia aquele feito histórico em Belém.
O Remo caiu para a série D em 2008 e, por conta da vaga para a série D ser através dos Estaduais, ficaram de fora do certame nacional em 2009, 2011 e 2013. Um sofrimento grande, principalmente se levarmos em conta a grandiosidade de sua torcida. Quase 34 mil pagantes assistiram a ascensão do Clube no Mangueirão. Isso porque a capacidade do estádio foi reduzida.
Um clube que passa pelos mesmos problemas internos e financeiros que passa o Mixto. Também não aprenderam nestes últimos anos e continuam cometendo os mesmos erros de gestão. Mas, parece que pelo lado dos “azulinos” o modelo de gestão parece que começou a mudar. Na base da pancada, tentativa e erro, conseguiram o acesso depois de sete anos. Mas poderia ter ascendido antes, se tivesse um pouquinho mais de responsabilidade.
Pesquisando sobre o Remo, descobri coisas do arco da velha. Em 2012, nós tiramos o Remo da Série D por que eles compraram a vaga do Cametá. E se não fosse isso, o Remo ficaria por três anos seguidos sem calendário no segundo semestre. Em 2014, o presidente do clube, na época, vendeu direitos de camarotes do Estádio Baenão (propriedade do clube e com capacidade para menos de 18 mil pessoas) por R$ 20 mil cada! O problema é que, ao invés de investir o dinheiro na construção dos prometidos camarotes, investiram tudo no futebol (elenco) e não conseguiram o acesso em 2014. Uma ação “estelionatária” como essa afugenta qualquer tipo de investidor. Para piorar, o estádio segue atualmente sem condições de uso.
No final de 2014, uma nova diretoria assumiu e montou um elenco caro, com folha salarial de R$ 600 mil. Alta? Considero que sim, principalmente se compararmos o seu maior rival, o Paysandu, que iniciou 2015 com uma folha salarial menor. E detalhe: o Remo não tinha garantia de disputar a competição nacional, enquanto o Paysandu estava garantido na Série B e com cota de TV no valor de R$ 3 Milhões. Tirando os impostos, fica um valor líquido de R$ 2 Milhões e 700 mil anual. Se dividirmos isso por mês, o Paysandu tinha garantido mensamente, R$ 225 mil de TV. O resultado não poderia ser outro. O Remo passou a atrasar salários e até greve de jogadores surgiu, apoiada pela própria torcida. Houve atraso no aluguel de moradias e alguns jogadores chegaram a ser despejados, a exemplo da estrela do time, o centroavante Caça Rato, que abandonou o clube por conta disso. Como consequência, tomaram aquela traulitada na Copa Verde, que nem vou perder meu tempo de lembrar.
Assim como o Mixto, o Remo também fez acordos trabalhistas com a justiça e também não conseguiu honrá-los. A consequência é que hoje a justiça impôs que 30% da renda do clube seja retida. O clube tentou vender o direito de explorar o jogo do acesso para uma empresa de Goiânia, por R$ 1 milhão e 500 mil, mas foi mal vista pela justiça que ameaçou penhorar 100% da renda caso fechassem a negociação. Com tantos problemas assim, a diretoria executiva acabou renunciando em peso, com menos de um ano de mandato. O vice-presidente renunciou antes do fim do 1º semestre. Impaciente, o Conselho Deliberativo afastou o presidente, que conseguiu voltar com base em uma liminar. A pressão passou a aumentar e, mesmo amparado pela justiça, o presidente resolveu “sair à francesa” e entrou em licença médica até o final do ano. Com a vaga garantida para a disputa da Série D (campeão Estadual/2015), não houve alternativa a não ser criar um colegiado para tocar o clube, presidido pelo presidente do Conselho Deliberativo. Teve bom senso entre os novos gestores e a folha salarial foi reduzida para R$ 350 mil/mês. Fizeram acordo com alguns jogadores e selecionaram aqueles que se identificaram com a causa do clube (grave essa palavra, “causa”). Aproveitando isso, o Marketing do clube explorou ao máximo a atitude do Camisa Dez, Eduardo Ramos, que dispensou propostas financeiras maiores e com clubes disputando campeonatos com maior visibilidade, topando redução salarial para a disputa da “D” e segurando as pontas dos três meses de salários atrasados. Eduardo Ramos é tratado como mito pela torcida.
Bom, resumindo. Na base da emoção, aos trancos e barrancos e no meio do caos, o conselho deliberativo conseguiu o tão sonhado acesso.
Descobri outra coincidência. O Remo também passou por problemas de mando de campo, devido o mau comportamento de sua torcida: os três primeiros jogos da Série D foram na cidade de Paragominas, distante 315 Km de Belém.
Com salários atrasados (ultima folha paga integralmente foi a de Julho), 30% das bilheterias estavam retidas e o clube sem credibilidade, restou ao Remo buscar a única solução possível, que foi se apegar e explorar ao máximo sua torcida. Estou falando financeiramente.
Os ingressos para os jogos do Remo chegaram a custar R$ 60,00 a arquibancada, acima até de ingressos de clubes que disputam a Série A. Mesmo com valores altos, a média de público do Remo na série D é maior do que a do Vasco, Joinville, Santos, Avaí, Chapecoense, Figueirense, Ponte Preta e Goiás, todos da série A.
Investiu pesado no Sócio Torcedor. No começo do ano o clube tinha 900 sócios. Ainda no 1º semestre, quando chegou na fase final do “Parazão”, já contava com 4.800vsócios e 1.450 em dia. Para alavancar mais ainda o número de sócios, criaram programas que vão de R$ 10,00 a R$ 50,00 e fecharam parcerias com mais de 16 empresas, que ofereciam descontos e vantagens ao torcedor. Fizeram várias promoções ao longo do ano para alavancar o número de sócios torcedores. Quem comprasse o ingresso de R$ 30,00 para o jogo contra o Vilhena, pela Série D, por exemplo, poderia tornar-se associado do clube sem pagar a adesão.
Para atrair e fidelizar associados, quem virasse sócio torcedor automaticamente era cadastrado como associado do Movimento por um Futebol Melhor, idealizado pela Cerveja Brahma. Em menos de um ano o Remo angariou 8.162 novos sócios torcedores e 8.955 afiliados no Movimento por um futebol melhor. Segundo o site Terra, o Remo figura na 18ª colocação do ranking do movimento. Com a marca alcançada o Leão Azul, como é conhecido, fica à frente no “torcedômetro” de grandes equipes como Vitória-BA, Fortaleza, Avaí, Goiás, Náutico, Portuguesa e Chapecoense.
Segundo o jornalista paraense Alex Ferreira, “esse povo não vai aos jogos em busca de conforto, só pensando em fazer selfies e postar em redes sociais. Eles querem o Remo. Se o clube não morre, é porque sua gente não deixa. É paixão pura. Religião! E ainda há quem chame futebol de "produto". Perdoa-lhes, porque não sabem o que dizem.”
Apesar do momento eufórico de festa, o colegiado de gestores devem se preocupar com 2016. Com a modernidade do futebol e a elevação da organização dos clubes, as dificuldades serão maiores para o Remo, que já possui estrutura física e financeira debilitadas. Claro que subir é a melhor coisa do mundo, mas o nível dos adversários serão maiores, com melhores estruturas, melhor preparados e um orçamento mais pesado. Exemplo disso é a ascensão do Brasil de Pelotas, que fez o Fortaleza (que tinha a melhor campanha da primeira fase) amargar mais uma vez a série C, pelo terceiro ano consecutivo. Isso me lembrou de alguns ensinamentos de Ferran Soriano (CEO do Manchester United e um dos responsáveis pela ascensão midiática do Barcelona), autor do Livro “A bola não entra por acaso”: O Brasil de Pelotas conseguiu o feito, e na casa do adversário com 70 mil pessoas, não por acaso. Ele figura como 20º na listra do Torcedômetro, com 8.910 torcedores. O Fortaleza não saiu dando lugar para um aventureiro.
Evidente que o Remo conseguiu, aos trancos e barrancos, resolver parte dos seus problemas, eliminando a consequência que sua má gestão lhe trouxe, que era ficar sem um calendário para a temporada. Agora é regaçar as mangas e reequilibrar o clube, para resolver de uma vez por todas, as CAUSAS que geram essa consequência. Não adianta enxugar gelo. Os cães ladram, mas a caravana não para. E estamos perdendo tempo e o rumo da história. Mas acredito que não seja tarde. Com paciência, dedicação e amor pelo clube, o tormento uma hora passa. Já, já a hora do Fortaleza chega, como a do Mixto também. Desde que trilhe pelo caminho da organização, tenha paciência, dedicação e amor pela camisa. Basta trabalhar a força dessa paixão, como o Remo trabalhou.
E parabéns ao Remo pelo acesso. Aproveitando, parabéns também ao Atlético-GO, ao América-MG, ao Boa (Ituiutaba), ao Sampaio Corrêa, ao Tupi - MG e ao Guaratinguetá. Antigos adversários, que passaram pelo nosso caminho e conseguiram êxito. Quem sabe não voltamos a nos encontrar novamente, mas nos lugares onde eles estão.
* Por Igor França Garcia
Integrante do Conselho Deliberativo do Mixto
e Consultor de Investimentos/CVM. Especialista em Gestão Pública
e Consultor de Investimentos/CVM. Especialista em Gestão Pública
igor.garcia@atuarialconsultoria.com.br
Veja também: Mixto tem que tornar a dívida em dívida administrável (Igor Garcia)
Veja também: Mixto tem que tornar a dívida em dívida administrável (Igor Garcia)
20/10/2015
Que sirva de liçao para os comandam o Mixto EC, pior que isso só o time do Fortaleza que liderou a Serie C deste ano, o Campeonato todo e no final ficou pra trás.
ResponderExcluirParabéns Igor. Faço do seu comentário a minha opinião, até por que não teria capacidade técnica de me expressar com tamanha facilidade. Assisti o jogo do acesso do Remo e esse filme passou pela minha cabeça, Espero que as pessoas que dirigem o MIXTO tomem consciência da importância de uma Paixão. PAULO SÉRGIO CUNHA - JD LEBLON CUIABÁ-MT
ResponderExcluirUm sonho que se sonha só
ResponderExcluirÉ só um sonho que se sonha só
Mas sonho que se sonha junto é realidade
Determinação e perseverança movem o mundo, pensar que os outros vão fazer isso pra você é maneira de falhar.. Que a lição do Remo seja de grande valia para o clube se reerguer, mas para isso tem que ter força de vontade e trabalhar pelo clube, não adianta sentar e esperar algum milagre acontecer..
ResponderExcluirParabéns Igor França , falou e disse tudo.Sabendo do acesso do Remo me lembrei daquele jogo em que o Mixto eliminou o Remo lá em Belém na casa deles. E depois de suas palavras me veio até uma vontade de chorar,vendo todos esses vexames que estamos passando, por sermos apaixonados pelo Mixto. Minha filha tem 16 anos e desde os 6 vai nos jogos comigo e também é fanática pelo Mixto, mas infelizmente entra diretoria e sai diretoria e continua a mesma incompetência.
ResponderExcluirCURIOSAMENTE, QUANTO MAIS SOFRO MAIS MIXTENSE ME SINTO. DEVE SER LOUCURA MINHA E DE TODOS OS MEUS AMIGOS QUE SÃO QUASE TODOS MIXTENSES. MAS SERÁ QUE SAÍMOS DO HOSPÍCIO?? ACHAVA QUE ISTO ERA COISA DE CORINTHIANO... VAMOS DAR A VOLTA, MIXTOOO. PARABÉNS IGOR, DE FATO MIXTO E REMO TEM COISAS PARECIDAS.
ResponderExcluirMuito boa a reportagem. O Mixto precisa de exemplos para seguir. É esse o caminho para o Mixto voltar a incomodar os adversários, só precisa de união e gente séria tocando o time. Parabéns também pela reportagem da dívida administrativa. Por dias melhores.
ResponderExcluirIsso daria uma boa resenha. Afinal, existe algum bar mixtense?
ResponderExcluirgostei bastante do inteligente comentario do igor garcia, porque nao esperimentar essa iniciativa do remo ser administrado pelo conselho.
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